terça-feira, 28 de julho de 2009

Lembra De Mim (Sophie Kinsella) Cap 1

Prólogo
De todas as ruins, péssimas, horrorosas noites que eu já tive em toda a minha vida ruim. Em uma escala de um à dez nós estamos falando... menos seis. E não é como se eu tivesse padrões muito altos.
A chuva respinga pelo meu colarinho enquanto eu mudo de um pé empolado para o outro. Eu estou segurando a minha jaqueta sobre a minha cabeça como se fosse um guarda-chuva, mas não é exatamente a prova d’água. Eu só quero achar um táxi, chegar em casa, tirar essas botas estúpidas e correr par um banho quente. Mas eu estou esperando aqui faz dez minutos e não há nem sinal de um táxi.
Meu dedos estão agonizando. Eu nunca mais vou comprar sapatos da Metade Do Preço Fashion de novo. Eu comprei essas botas semana passada na liquidação (lisa preta; eu só uso lisa). Eles eram meio tamanho menor, mas a garota disse que elas iriam alongar e que elas faziam minhas pernas ficarem compridas. E eu acreditei nela. Honestamente, eu sou a maior otária do mundo.
Estamos todos parados juntos na esquina de alguma rua no sudoeste de Londres que eu nunca tinha vindo antes, com a música latejando de algum clube abaixo dos nossos pés. A irmã de Carolyn é uma promoter* e nos conseguiu desconto na entrada, então é por isso que nós fomos até lá. Só que agora nós temos que ir para casa e eu sou a única que realmente está procurando por um táxi.
Fi havia confiscado a única soleira por perto e tinha a sua língua enfiada goela abaixo de algum cara que ela tinha conversado antes no bar. Ele era fofo, tirando o seu bigode estranho. Além disso ele era mais baixo que Fi – mas daí vários caras era, dado ao fato de que ela tinha quase 1,80 m. Ela tinha longos cabelos escuros e uma boca grande, e uma risada escandalosa para combinar. Quando ela está realmente irritada com alguma coisa, ela paralisa o escritório inteiro.
Alguns metros dali, Carolyn e Debs estão escondidas em baixo de um jornal de braços dados, gritando estridentemente ‘It’s Raining Men’ como se elas ainda estivessem no palco do karaokê.

“Lexi!” Debs grita, esticando um braço para eu me juntar a elas. “It’s raining men!” Seu cabelo longo e loiro estava raquítico na chuva, mas seu rosto ainda brilhava.

Os dois hobbys favoritos de Debs são karaokê e fazer bijuterias – aliás, eu estou usando um par de brincos que ela fez para mim para o meu aniversário: prata delicada em forma de L com pérolas penduradas.

“Não está chovendo homem bosta nenhuma!” Eu respondi impertinente. “Só está chovendo!”

Eu normalmente adorava karaokê também. Mas eu não estou no humor para cantar hoje a noite. Eu me sinto toda doída por dentro, como se eu quisesse me enrolar e desaparecer. Se apenas o Perdedor Dave tivesse aparessido como ele prometeu. Depois de todas aqueles sms’s amo vc Lexi; depois de jurar terminantemente que estaria lá as dez. Eu esperei sentada o tempo todo, olhando a porta, até mesmo quando as outras meninas me falaram para esquecer dele. Agora eu me sinto como uma idiota.
O Perdedor Dave trabalha em venda de carro por telefone e tem sido meu namorado desde que ficamos juntos no churrasco da amiga da Carolyn verão passado. Eu não chamo ele de Perdedor Dave para insultá-lo – é o seu apelido. Ninguém lembra como ele conseguiu e ele não conta; aliás, ele sempre está tentando fazer as pessoas chamarem ele de alguma outra coisa. Ele começou a se referir como Butch a um tempo atrás, porque ele conta que se parece com o Bruce Willis em Pulp Fiction. Ele tinha o corte de cabelo parecido, eu suponho – mas a semelhança acaba aí.
De qualquer forma, não pegou. Para os seus companheiros de trabalho ele é apenas o Perdedor Dave, da mesma forma que eu sou Dente Torto*. Eu sou chamada assim desde que eu tinha onze anos. E às vezes Cabelo Torto. Para ser justa, o meu cabelo é bem frisado. E meus dentes são meio tortos. Mas eu sempre digo que eles dão personalidade ao meu rosto.

*Snaggletooth; no original.


¬¬
(Na verdade, isso é uma mentira. É Fi que diz que dá personalidade ao meu rosto. Pessoalmente eu estou planejando arrumá-los logo que eu conseguir dinheiro e me convencer a usar aparelhos na boca – ou seja, provavelmente nunca.).
Um táxi vem à minha vista e eu imediatamente estico a minha mão – mas algumas pessoas à frente sinalizaram para ele primeiro. Ótimo. Eu coloquei minhas mãos nos bolsos e olhei a chuva miseravelmente por outra luz amarela.
Não é só o Perdedor Dave me dar o cano que está me incomodando: são os bônus. Hoje era o fim do ano financeiro no trabalho. Todos receberam cupons dizendo o quanto tinham conseguido e começavam a pular de excitação, porque no fim as vendas 2003-2004 da companhia tinham sido melhores do que todos esperaram. Era como o Natal dez meses antes. Todos estavam tagarelando sobre onde eles iriam gastar esse dinheiro. Carolyn começou a fazer planos de feriado para Nova Iorque com o seu namorado, Matt. Debs marcou luzes no Nicky Clarke – ela sempre quis ir lá. Fi ligou para Harvey Nichols e reservou uma bolsa legal chamada Paddington ou qualquer coisa assim. E aí tinha eu. Com nada. Não porque eu não tinha trabalhado duro, não porque eu não alcancei à minha meta, mas porque para conseguir os bônus você tem que ter trabalhando para a empresa por um ano, e eu não me qualifiquei por uma semana. Uma semana. É tão injusto. É tão mesquinho. Eu estou dizendo, se eles me pedissem o que eu acho sobre isso –
De qualquer forma. Como se o Simon Johnson pediria a opinião de uma Sócia Gerente-júnior de vendas (atrapalhada)* Isso é a outra coisa: eu tenho o pior título de trabalho do mundo. É embaraçoso. Quase nem cabe no meu cartão. Qaunto maior o título, eu decide, pior é o emprego. Eles acham que vão cegar você com palavras e você não vai notar que está estagnada no canto do escritório com contas nojentas que ninguém mais quer.


*Flooring; no original.

Um carro passa em cima de uma poça ali perto e eu pulo para trás, mas não antes de tomar um banho de água na cara. Da soleira da porta eu ouço Fi esquentando as coisas, murmurando na orelha do cara fofo. Eu ouvi as palavras familiares e apesar do meu humor eu tive que pressionar meus lábios para não rir. Meses atrás, nós tivemos uma noite de garotas e terminou com a confissão de todos os nossos segredos mais podres. Fi disse que ela usa sempre a mesma fala toda a vez e funciona perfeitamente: “Eu acho que a minha calcinha está derretendo.”
Quero dizer, Algum cara cairia nisso?
Bom, eu acho, pelo que a Fi conta, que sim.
Debs confessou que a única palavra que ela pode usar sem rir durante o sexo é tesão. Então tudo que ela sempre diz é: “Eu estou com tesão.” “Você é um tesão.” “Isso é um tesão.” Quando você é tão linda quanto a Debs, eu não acho que você precisa de um repertório.
Carolyn está com o Matt por milhões de anos e declarou que ela nunca fala na cama, exceto quando é para dizer “ow” ou “mais pra cima,” ou uma vez, quando ele estava prestes a ter um orgasmo, “Oh bosta, eu deixei a minha prancha (de cabelo) ligada.” Eu não sei se ela falou sério; ela tem um senso de humor esquisito, assim como o Matt. Eles são os dois super inteligentes – quase nerds – mas de boa com isso. Quando nós todos estamos juntos eles dois se insultam tanto é difícil saber se eles estão falando sério. E não sei nem se eles sabem.
Quando chegou a minha vez, e eu contei a verdade, que era que eu elogiava o cara. Como com o Perdedor Dave, eu sempre digo “Você tem ombros lindos” e “Seus olhos são lindos.”
Eu não admiti que eu dizia essas coisa porque eu sempre esperava secretamente ouvir isso de volta de um cara, que eu sou bonita também.
Nem admiti que isso nunca aconteceu.
De qualquer forma. Tanto faz.

“Hey, Lexi.” Eu olhei para cima para ver Fi que tinha se separado do cara fofo. Ela entra embaixo da minha jaqueta e tira um batom.


¬¬
“Oi” eu disse, piscando a água da chuva dos meus cílios. “Onde foi o amante?”
“Dizer para a garota com quem ele veio que ele está indo.”
“Fi!”
“O que?” Fi falou sem arrependimento. “Eles não estão juntos.” Ela cuidadosamente refez a sua boca de vermelho. “Eu vou comprar muita maquiagem nova,” ela disse franzindo para o fim do batom. “Christian Dior, um monte. Eu posso pagar agora!”
“Você deveria!” eu concordei tentando parecer entusiasmada. Um momento depois Fi olhou para cima entendendo.
“Oh, merda. Desculpe Lexi.” Ela coloca um braço ao redor do meu ombro e aperta. “Você deveria ter conseguido um bônus. Não é justo.”
“Tudo bem.” Eu tentei sorrir. “Ano que vem.”
“Você está bem?” Fi estreitou seus olhos para mim. “Você quer tomar um drink ou alguma coisa?”
“Não, eu preciso ir para a cama. Eu tenho que acordar cedo amanhã.”

O rosto da Fi clareia de repente e ela morde o lábio.

“Jesus. Eu esqueci totalmente sobre isso também. Com os bônus e tudo... Lexi eu sinto muito. É realmente uma hora horrível para você.”
“Tudo bem!” eu disse finalmente. “É... Eu estou tentando não fazer tudo tomar grandes proporçãos.”

Ninguém gosta de um chorão. Então de alguma forma eu me fiz sorrir brilhantemente, apenas para mostrar que eu estou tudo bem em ser uma garota com os dentes tortos, levado um cano, sem bônus e cujo pai tinha acabado de morrer.
Fi ficou quieta por um momento, seus olhos verdes brilhando com os faróis que passavam.

“As coisas vão melhorar para você,” ela disse.
“Você acha?”
“Uh-hum.” Ela acenou, com mais energia. “Você só tem que acreditar. Vem aqui.” Ela me abraçou. “Você é uma mulher ou um cavalo-marinho?” Fi tem usado essa expressão desde que nós duas tínhamos quinze anos, e me faz sorrir toda a vez. “E você sabe o que?” ela acrescentou. “Eu acho que seu pai iria querer que você aparecesse de ressaca no funeral dele.”

Ela encontrou meu pai algumas vezes. Ela estava provavelmente certa.

“Hey Lexi.” A voz de Fi se tornou mais suave e eu me abracei. Eu estou em um humor delicado e se ela dissesse alguma coisa sobre meu pai, eu poderia chorar. Eu quero dizer, eu não conhecia ele tão bem ou qualquer coisa, mas você só tem um pai. “Você tem uma camisinha reserva?” Sua voz perfurou meus pensamentos.

Certo. Então eu não precisava me preocupar com excesso de simpatia.

“Só de precaução,” ela adicionou com um sorriso. “Eu quero dizer, nós provavelmente vamos conversar sobre política ou qualquer coisa assim.”
“É tenho certeza.” Eu procurei dentro da minha bolsa verde que eu tinha ganhado de aniversário para o porta-níquel da mesma cor e tirei uma Durex, que eu discretamente entreguei para ela.”
“Valeu querida.” Ela me beijou na bochecha. “Escuta, você quer ir na minha casa amanhã a noite? Depois que tudo acabar? Eu faço spaghetti à la carbonara.”
“É,” eu sorri agradecida. “Isso seria ótimo. Eu ligo para você.” Eu já estava ansiosa. Um prato de macarrão delicioso, uma taça de vinho e eu contando a ela sobre o funeral. Fi consegue fazer as coisas mais macabras ficarem engraçadas... Eu sei que terminaremos em risos.
“Hey, ali tem um táxi. Táxiii!” Eu me apressei para a ponta da calçada enquanto o táxi parava e acenava para Debs e Carolyn que estavam gritando “Dancing Queen.”

Os óculos da Carolyn estavam molhados com as gotas de chuva, e sua voz estava umas cinco notas acima da de Debs.

“Oi!” eu me inclinei através da janela para o motorista, meu cabelo pingando no meu rosto. “Você poderia nos levar até Balham, e daí –..”
“Desculpe querida, sem karaokê.” O motorista me interrompeu com um olhar cruel para Debs e Carolyn.
Eu encarei ele, confusa. “Como assim, sem karaokê?”

“Eu não vou levar essas garotas aqui, me irritando com a sua maldita cantoria.”

Ele tinha que estar brincando. Você não pode banir pessoas por cantarem.

“Mas-...”
“Meu táxi, minhas regras. Sem bêbados, sem drogas, sem karaokê.”

Antes que eu pudesse responder, ele colocou o táxi na marcha e desceu rua abaixo.

“Você não pode ter uma regra de ‘sem karaokê’!” Eu gritei depois, ultrajada. “É discriminação! É contra a lei! É…”

Eu me arrastei e olhei para a calçada. Fi tinha desaparecido de volta nos braços do Sr. Fofo. Debs e Carolyn estavam fazendo a pior performance da “Dancing Queen” que eu já tinha visto; de fato eu não culpo o motorista do táxi. O trânsito estava intenso, nos molhando inteiras; a chuva caia sem parar através da minha jaqueta para o meu cabelo; pensamentos rodavam pela minha cabeça como meias em uma secadora.
Nós nunca iríamos achar um táxi. Nós vamos ficar aqui na chuva a noite toda. Aqueles coquetéis de banana eram nocivos – eu devia ter parado depois do quarto. Eu tinha o funeral do meu pai amanhã. Eu nunca tinha ido em um funeral antes. E se eu começasse a chorar e todo mundo olhasse para mim? Perdedor Dave estava provavelmente na cama com alguma outra garota neste segundo, dizendo a ela que era ela linda enquanto ela gemia “Butch! Butch!” Meus pés estavam empolados e estavam congelando –

“Táxi!” eu gritei instintivamente a palavra, depois de ter registrado a luz amarela distante. Estava subindo a rua, sinalizando para virar para a esquerda. “Não vire!” eu acenava frenéticamente. “Aqui! Aqui!"
Eu tinha que conseguir esse táxi. Eu tinha. Apertando a minha jaqueta sobre a minha cabeça eu corri pela caçada, derrapando levemente, gritando até eu ficar rouca. “Táxi! Táxi!” E quando eu alcancei a esquina, a calçada estava lotada de pessoas e eu dei a volta delas e subi os degraus de algum edifício municipal.

Havia uma plataforma de balaustra com degraus indo para a direita e para a esquerda. Eu acenei para o táxi dali de cima e então corri para baixo e pulei. “TÁXI! TÁÁÁ-XII!” Yes! Estava parando. Graças a Deus! Pelo menos eu poderia chegar em casa, tomar um banho e esquecer sobre o dia.

“Aqui!” eu chamei. “Eu estou indo, só um seg-..”

Para a minha consternação eu notei um cara em um terno no pavimento abaixo indo em direção ao táxi.

“É nosso!” eu rugi, e me joguei pelos degraus opostos. “É nosso! Eu acenei para esse táxi! Não ouse – Argh! Aaaaaaaaaargh!”

Até mesmo quando meu pé deslizou no degrau molhado eu não tinha certeza do que estava acontecendo. Então quando eu comecei a cair, meus pensamentos se apressaram em descrença: Eu deslizei nas minhas botas estúpidas, baratas de solado liso. Eu estava caindo, degraus abaixo, como se tivesse três anos de idade. Eu lutei desesperadamente na pedra de balaustrei, arranhando minha pele, machucado minha mão, derrubando minha bolsa, agarrando qualquer coisa, mas eu não consegui parar-
Oh merda.
O chão está vindo na minha direção – não há nada que eu possa fazer – isso realmente, realmente vai doer...


Capítulo Um
Quanto tempo eu estive acordada? Já é manhã?
Sinto-me tão dura. O que aconteceu na noite passada? Deus, minha cabeça dói. Ok, eu nunca mais vou beber, nunca.
Sinto-me tão confusa não posso nem pensar, muito menos...

***

Ai. Quanto tempo eu estive acordada?
Minha cabeça está doendo e meio enevoada. E minha boca está seca. Esta é a ressaca mais monstra que eu já tive. Eu nunca mais vou beber, nunca.
Isso é uma voz?
Não, eu tenho que dormir...

***


Quanto tempo eu estive acordada? Cinco minutos? Meia hora, talvez? É meio difícil dizer.
Que dia é, afinal?
Por um momento eu apenas fico deitada quieta. Minha cabeça está dando pontadas com uma dor rítmica, como uma espécie de pesada furadeira de concreto. Minha garganta está seca e doendo em toda a parte. Minha pele parece lixa.
Onde eu estava ontem à noite? O que há de errado com o meu cérebro? É como se um nevoeiro tivesse descido sobre tudo. Eu nunca mais vou beber. Devo ter intoxicação por álcool ou algo assim. Estou tentando me lembrar da noite passada o máximo que posso - mas tudo que está passando na minha cabeça são coisas estúpidas. Memórias antigas e imagens do passado, piscando em ordem aleatória, como algum tipo de músicas embaralhadas do iPod no meu cérebro.
Girassóis acenando contra um céu azul...

Amy como um bebê recém-nascido, parecendo como uma salsichinha rosa em um cobertor...
Um prato de salgadas batatas fritas em uma mesa de madeira de um pub; sol quente no meu pescoço; o meu pai sentado na minha frente com um chapéu de palha, soprando a fumaça de um charuto e me dizendo, "Coma tudo, querida"...
A corrida de saco na escola. Ah Deus, não essa memória novamente. Eu tento bloqueá-la, mas tarde demais, está vindo.

...Tenho sete anos, é dia da Gincana, e eu estou ganhando por quilômetros, mas é tão desconfortável estar tão na frente que eu paro e espero por todos os meus amigos.
Eles me alcançam – então, de algum modo na disputa eu tropeço e acabo chegando em último lugar. Ainda posso sentir a humilhação, ouvir as risadas, sentir a poeira em minha garganta, o gosto de bananas...
Espera aí. De alguma maneira eu forço meu cérebro para se manter estável por um momento.
Bananas.

Através do nevoeiro outra memória está se insinuando. Estou desesperadamente tentando resgatá-la, alcançá-la...
Sim. Já sei. Coquetéis de banana.
Estávamos bebendo coquetéis em algum clube. Isso é tudo o que consigo lembrar. Malditos coquetéis de banana. O que diabos eles puseram neles?
Não consigo nem abrir meus olhos. Eles estão pesados e grudados, como daquela vez que eu usei cílios falsos com cola suspeita do supermercado, depois cambaleei até o banheiro na manhã seguinte e vi um olho colado com o que parecia uma aranha morta em cima dele. Muito atraente, Lexi.
Cautelosamente, eu movi a mão até meu peito e ouvi um ruído de lençóis. Eles não soam como os de casa. E há um cheiro estranho de limão no ar, e eu estou usando alguma camiseta de algodão suave que eu não reconheço. Onde estou? Que diabos -
Ei. Eu não transei, né?
Ah, uau. Eu fui infiel com o Perdedor Dave? Será que estou usando uma camiseta grande demais de algum cara gostoso que peguei emprestado pra dormir depois de termos tido sexo passional durante toda a noite e é por isso que me sinto tão machucada e dolorida-
Não, eu nunca fui infiel na minha vida. Devo ter ficado durante a noite com uma das meninas ou algo do tipo. Talvez eu me levante, tome um banho...
Com um enorme esforço eu forço meu olhos a se abrirem e inclino a cabeça alguns centímetros.
Merda. Que diabos-

Estou deitada em um quarto escuro, sobre uma cama metálica. Há um painel de botões à minha direita, um monte de flores sobre o criado mudo. Engulo em seco internamente quando vejo uma intravenosa gotejando na minha mão esquerda, presa a uma bolsa de fluidos.
Isso é irreal. Estou no hospital.
O que está acontecendo? O que houve?
Eu mentalmente estimulo meu cérebro, mas ele é um grande, estúpido, balão vazio. Eu preciso de uma forte xícara de café. Eu tento olhar ao redor do quarto por pistas - mas meus olhos não querem procurar. Eles não querem informações, eles querem colírio e três aspirinas. Com fraqueza eu caio de volta nas almofadas, fecho meus olhos, e espero alguns instantes. Vamos lá. Eu tenho de ser capaz de lembrar o que aconteceu. Não posso ter ficado tão bêbada... posso?

Estou me segurando ao meu único fragmento de memória como se fosse uma ilha no oceano. Coquetéis de banana... coquetéis de banana... pense mais... pense...
Destiny's Child. Sim! Um pouco mais de memórias voltam a mim agora. Lentamente, lentamente, em pedaços. Nachos com queijo. Aqueles bancos ruins do bar com o vinil todo rachado.
Eu tinha saído com as meninas do trabalho. Naquele clube suspeito com o teto rosa néon em... algum lugar. Posso me lembrar de cuidar do meu coquetel, totalmente miserável.
Por que estava tão pra baixo? O que tinha acontecido-
Isso. Claro. Um familiar frio de decepção aperta meu estômago. E o Perdedor Dave nunca apareceu. Dupla derrota. Mas nada disso explica por que estou no hospital. Eu contorço meu rosto com força, tentando me concentrar o máximo que posso. Eu me lembro de dançar como uma maníaca para Kylie e cantando "We Are Family" junto da máquina de karaokê, nós quatro, de braço dados. Posso me lembrar vagamente de cambalear para fora pra pegar um táxi.
Mas além disso... nada. Branco total.

Isso é estranho. Vou mandar um torpedo pra Fi e perguntar-lhe o que aconteceu. Eu tento alcançar o criado mudo - então percebo que não tem nenhum telefone ali. Nem sobre a cadeira, nem na cômoda.
Onde está meu telefone? Onde todas minhas coisas foram parar?
Ah, Deus. Eu fui assaltada? Tem de ser isso. Algum adolescente em um casaco de capuz me bateu na cabeça e eu caí na rua, e eles devem ter chamado uma ambulância e-
Um pensamento ainda mais horrendo toma conta de mim. Que calcinha eu estava usando?
Não posso evitar dar um pequeno gemido. Isso poderia ser realmente ruim. Poderia ser a calcinha e o sutiã cinzas e fedidos que eu só uso quando o cesto de roupa suja está cheio. Ou aquele fio dental limão desbotado com o desgaste na borda e o desenho do Snoopy.
Não poderia ser nada elegante. Quero dizer, você não usaria nada assim para o Perdedor Dave - seria um desperdício. Recuando, eu giro minha cabeça pra todo lado - mas não vejo qualquer roupa nem nada. Os médicos devem tê-las incinerado no especial Incinerador do Hospital para Roupas Íntimas Fedidas.

E eu ainda não tenho idéia do que eu estou fazendo aqui. Minha garganta está realmente arranhando e eu morreria por uma bom e gelado copo de suco de laranja. Agora que eu penso nisso, onde estão todos os médicos e enfermeiras? E se estiverem morrendo?
"Olá?" eu chamo com fraqueza. Minha voz soa como alguém arrastando um ralador sobre um piso de madeira. Eu espero por uma resposta, mas há silêncio. Tenho certeza de que ninguém pode me ouvir através daquela porta espessa.
Então me ocorre apertar um botão no pequeno painel. Eu escolhi o que parece ser uma pessoa, e alguns momentos depois a porta se abre. Funcionou! Uma enfermeira de cabelos grisalhos em um uniforme azul escuro entra e sorri pra mim.

"Olá, Lexi!" ela diz. "Se sentindo bem?"
"Hum, bem, obrigado. Com sede. E a minha cabeça dói."
"Eu vou buscar um analgésico pra você." Ela me traz um copo de plástico cheio de água e me ajuda a levantar. "Beba isso".
"Obrigado," digo depois de engolir a água. "Então... estou chutando que estou num hospital? Ou, tipo, um spa realmente tecnológico?"
A enfermeira sorri. "Desculpe. Hospital. Você não se lembra de como chegou aqui?"
"Não." eu balanço minha cabeça. "Estou um pouco confusa, para ser honesta".
"Isso é porque você levou um belo galo na cabeça. Você se lembra de alguma coisa sobre o seu acidente?"
Acidente... acidente... E, de repente, numa rapidez, tudo volta. Claro. Correndo até o táxi, as pedras do pavimento molhadas com a chuva, escorregando nas minhas estúpidas botas baratas...
Nossa. Eu devo ter realmente batido forte com minha cabeça.
"É. Acho que sim." eu aceno com a cabeça. "Mais ou menos. Então... que horas são?"
"São oito horas da noite."
Oito horas? Uau. Estive apagada por um dia inteiro?
"Eu sou Maureen." Ela leva meu copo. "Você só foi transferida para esta sala há algumas horas atrás. Sabe, a gente já teve várias conversas".
"Mesmo?" digo, surpresa. "O que eu disse?"
"Vocês estava um pouco ininteligível, mas você continuava perguntando se algo estava 'folgado.'" Ela franziu as sobrancelhas, parecendo perplexa. "Ou 'fedido'?"
Ótimo. Eu não somente uso roupa íntima fedida, eu falo sobre ela pra estranhos. "Fedida?" Eu tento parecer desconcertada. "Eu não tenho nenhuma idéia do que eu quis dizer."
"Bom, você parece inteiramente coerente agora". Maureen afofa meu travesseiro. "Há mais alguma coisa que posso trazer para você?"
"Eu amaria um pouco de suco de laranja, se houver algum. E eu não consigo achar o meu telefone em nenhum lugar, ou minha bolsa."
"Todo os seus bens de valor terá sido colocado em algum lugar seguro. Vou apenas checar".

Ela sai e eu olho ao redor do quarto silencioso, ainda confusa. Eu sinto como se tivesse juntado apenas um pequeno canto do quebra-cabeça. Eu ainda não sei em que hospital estou... como cheguei aqui... alguém avisou a minha família? E há uma outra coisa me perturbando como uma contradição...
Eu tinha ficado ansiosa para chegar em casa. Sim. É isso mesmo. Eu continuava dizendo que precisava chegar em casa, porque eu tinha que me levantar cedo no dia seguinte. Porque-
Ah, não. Ah merda.
O funeral do meu pai. Foi no dia seguinte, às onze horas. O que significa...
Será que eu o perdi? Instintivamente eu tento sair da cama – mas mesmo me sentar faz minha cabeça ficar tonta. Finalmente, relutantemente, eu me deito de volta. Se eu perdi, eu perdi. Não há nada que eu possa fazer sobre isso agora.
Não é como se eu realmente conhecesse meu pai muito bem. Ele nunca estave muito por perto; na verdade, ele era mais como um tio. Do tipo de tio brincalhão e malandro, que lhe traz doces no Natal e cheira a bebida e cigarros.
Nem foi um enorme choque ele ter morrido. Ele estava fazendo uma grande cirurgia de ponte de safena no coração, e todos sabiam que havia uma chance de apenas 50%. Mas mesmo assim, eu deveria estar lá hoje, junto com a minha mãe e Amy. Quero dizer, Amy tem apenas doze anos - e diga-se de passagem uma menina de doze anos um pouco tímida. Subitamente tenho uma visão dela sentada no crematório próximo da mamãe, toda sombria abaixo de seu rabo de cavalo, segurando com força seu velho e esfarrapado Leão Azul. Ela não está pronta para ver o caixão do seu pai, não sem sua irmã mais velha segurando sua mão.
Enquanto estou deitada aqui, imaginando ela tentando parecer corajosa e adulta, de repente sinto uma lágrima rolar no meu rosto. É o dia do funeral do meu pai, e aqui estou eu no hospital com uma dor de cabeça e provavelmente uma perna quebrada ou algo assim.

E meu namorado me deu o bolo na noite passada. E ninguém veio me visitar, então de repente percebo. Onde estão todos os meus amigos e familiares ansiosos, sentados em volta da cama e segurando minha mão?
Bem, eu suponho que mamãe esteve no funeral com Amy. E o Perdedor Dave pode se danar. Mas Fi e os outros - onde estão? Quando penso como todos fomos visitar Debs quando ela foi ter sua unha encravada do pé removida. Ficamos praticamente acampados no chão, e trouxemos pra ela café do Starbucks e revistas, e a levamos para um tratamento de pedicure, quando estava sarada. Isso só para uma unha do pé.
Considerando que eu estive inconsciente, com uma intravenosa gotejando e tudo. Mas obviamente ninguém liga.
Ótimo. Apenas droga de... maravilhoso.
Outra lágrima grande escorre pelo meu rosto, assim que a porta abre e Maureen entra novamente. Ela está segurando uma bandeja, e um saco plástico com Lexi Smart escrito nele em caneta hidrocor grossa.
"Ah, querida!" Ela diz quando me vê limpando meus olhos. "A dor está muito forte?" Ela me dá um comprimido e um copinho d’água. "Isso deve ajudar".
"Muito obrigada." eu engulo a pílula. "Mas não é isso. É a minha vida." eu espalho meus braços ao redor desesperadamente.
"É uma futilidade total, do começo ao fim."
"Claro que não é," diz Maureen de modo tranqüilizador. "As coisas podem parecer ruim-"
"Acredite em mim, elas estão ruim."
"Eu tenho certeza-"
"Minha tão chamada carreira não vai a lugar nenhum, e meu namorado me deu o bolo na noite passada, e não tenho nenhum dinheiro. E minha pia continua vazando uma água marrom estragada no apartamento abaixo," acrescento, com um tremor de lembrança. "Eu provavelmente serei processada pelos meus vizinhos. E meu pai acabou de morrer."
Há silêncio. Maureen parece aturdida.
"Bem, tudo isso soa bastante... complicado," diz ela, finalmente. "Mas espero que as coisas mudem pra melhor."

"Isso é o que minha amiga Fi diz!" de repente tenho uma lembrança dos olhos de Fi brilhando na chuva. "E olha, eu acabo num hospital!" Faço um gesto desesperado para mim mesma. "Como isto está mudando para melhor?"
"Eu... não tenho certeza, querida." Os olhos de Maureen estão se lançando sem respostas de um lado pro outro.
"Toda vez que eu acho que tudo já está uma merda... só fica ainda pior!" eu assôo meu nariz e solto um enorme suspiro. "Não seria ótimo se apenas uma vez, apenas uma vez, a vida se ajeitasse magicamente?"
"Bem, podemos todos ter esperança, não podemos?" Maureen me dá um sorriso simpático e estica sua mão para pegar o copo.
Eu o devolvo - e enquanto faço isso, de repente percebo minha unhas. Mas que merda. Que diabos-
Minhas unhas sempre foram uns tocos roídos que tento esconder. Mas estas parecem maravilhosas. Toda tratada e com esmalte rosa pálido... e longas. Eu pestanejo para elas em espanto, tentando calcular o que aconteceu. Será que fomos para uma manicure tarde da noite ontem à noite ou algo assim e eu me esqueci? Será que coloquei unhas de acrílico? Eles devem ter alguma nova técnica brilhante, porque não consigo ver a emenda nem nada.
"Sua bolsa está aqui dentro, a propósito," Maureen acrescenta, colocando o saco plástico na minha cama. "Vou apenas pegar pra você aquele suco."
"Obrigada". Eu olho para o saco plástico, surpresa. "E obrigada pela bolsa. Pensei que tivesse sido roubada."
Isso é uma coisa boa, de qualquer maneira, ter conseguido minha bolsa de volta. Com alguma sorte meu celular ainda estará carregado e eu posso enviar alguns torpedos... Enquanto Maureen abre a porta para sair, eu alcanço a sacola - e puxo uma polida bolsa Louis Vuitton com alças de couro de bezerro, toda brilhante e com aparência cara.
Ah, ótimo. Eu suspiro em desapontamento. Esta não é a minha bolsa. Eles me confundiram com outra pessoa. Como se eu, Lexi Smart, possuiria uma bolsa Louis Vuitton.

"Com licença, essa bolsa não é minha," eu grito, mas a porta já se fechou.
Eu olho para a bolsa Louis Vuitton tristemente por um tempo, imaginando a que ela pertence. Alguma garota rica mais na frente no corredor, provavelmente. Finalmente eu a solto no chão, caio de volta nos meus travesseiros, e fecho meus olhos.

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